Câmara Municipal de Santa Cruz do Sul

Poder Legislativo do Município de Santa cruz do Sul

Veto Nº 09/2018 ao Projeto de Lei Nº 22/L/2018

Dados do Documento

  1. Data do Protocolo
    29/05/2018
  2. Ementa
    Dispõe sobre a obrigatoriedade da divulgação da lista de ruas, em ordem prioritária, para execução de pavimentação e calçamento no sistema de parceria
  3. Situação
    Acolhido
Desejo acompanhar o andamento em meu e-mail
Obs.: acolhido aos 02/07/2018, com voto favorável dos Vereadores Alceu Crestani, André Francisco Scheibler, Ari Thessing, Edmar Guilherme Hermany, Gerson Luís Trevisan, Licério José Agnes, Solange Finger e Paulo Henrique Lersch, voto contrário dos Vereadores Alex Knak, Bruna Jeanine Molz, Elstor Renato Desbessell, Francisco Carlos Smidt, Guiomar Isabel Rossini Machado, Luizinho Ruas e Mathias Bertram, e abstenção do Vereador Hildo Ney Caspary. 
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Ofício nº. 311/E/2018
 
                                                                                                Santa Cruz do Sul, 29 de maio de 2018.
 
 
Ilmo. Senhor
BRUNO CÉSAR FALLER
Presidente da Mesa Diretora
Câmara de Vereadores de Santa Cruz do Sul
Rua Fernando Abott, 940, Bairro Centro
Santa Cruz do Sul – Rio Grande do Sul
 
 
Senhor Presidente
 
Acusamos o recebimento do PROJETO DE LEI Nº 22/L/2018, que  “Dispõe sobre a obrigatoriedade da divulgação da lista de ruas, em ordem prioritária, para execução de pavimentação e calçamento no sistema de parceria”, aprovado por este Egrégio Poder Legislativo.
Na análise do Projeto de Lei nº 22/L/2018, em que pese a boa intenção do legislador, conclui-se que existe impedimento legal para a sua aprovação, tendo em vista que derivou de iniciativa parlamentar, ao imiscuir-se na organização administrativa e atribuições dos órgãos da administração pública municipal, violando o princípio constitucional da separação dos poderes.
Em sendo assim, o Poder Legislativo, por iniciativa de parlamentar, ao atribuir competências aos órgão da administração pública, criando dessa forma a necessidade de reestruturação de serviços e de pessoal, opõe óbice à organização administrativa dos órgãos da administração pública municipal, uma vez que desconsiderou o disposto no art. 42, incisos III e IV, da Lei Orgânica do Município (em simetria com o art. 61, §1º, II, “b” da Constituição Federal e com os art. 60, II, “d” e 82, VII da Constituição Estadual).
Hely Lopes Meirelles, com propriedade, afirma (1996, p. 430):
 
(…) Leis de iniciativa da Câmara, ou, mais propriamente, de seus vereadores, são todas as que a lei orgânica municipal não reserva, expressa e privativamente, à iniciativa do prefeito. As leis orgânicas municipais devem reproduzir, dentre as matérias previstas nos arts. 61, § 1º, e 165 da CF, as que se inserem no âmbito da competência municipal. São, pois, de iniciativa exclusiva do prefeito, como chefe do Executivo local, os projetos de lei que disponham sobre a criação, estruturação e atribuição das secretarias, órgãos e entes da Administração Pública municipal; criação de cargos, funções ou empregos públicos na Administração direta, autárquica e fundacional do Município; o regime jurídico único e previdenciário dos servidores municipais, fixação e aumento de sua remuneração; o plano plurianual, as diretrizes orçamentárias, o orçamento anual e os créditos suplementares e especiais. Os demais projetos competem concorrentemente ao prefeito e à Câmara, na forma regimental.
 
Com efeito, na estrutura federativa brasileira, Estados e Municípios não dispõem de autonomia ilimitada para se organizarem. Impõe-se a eles, por simetria, observarem os princípios e regras gerais de pré-organização definidas na Constituição Estadual (parâmetro de constitucionalidade imediato para os Municípios) e na Constituição Federal (parâmetro de constitucionalidade imediato para os Estados.
Nesse sentido, sobreleva-se como sendo regra de observância obrigatória pelos Estados e Municípios em suas leis fundamentais (Constituição Federal e Lei Orgânica do Município, respectivamente) àquelas relativas ao processo legislativo, especialmente as que dizem respeito à iniciativa reservada. O E. STF, inclusive, possui jurisprudência consolidada a este respeito, senão vejamos:
 
“(...) A Constituição do Brasil, ao conferir aos Estados-membros a capacidade de auto-organização e de autogoverno --- artigo 25, caput ---, impõe a obrigatória observância de vários princípios, entre os quais o pertinente ao processo legislativo. O legislador estadual não pode usurpar a iniciativa legislativa do Chefe do Executivo, dispondo sobre as matérias reservadas a essa iniciativa privativa. (...)” (STF, ADI 1.594-RN, Tribunal Pleno, Rel. Min. Eros Grau, 04-06-2008, v.u., DJe 22-08-2008)
 
“(…) Por tratar-se de evidente matéria de organização administrativa, a iniciativa do processo legislativo está reservada ao chefe do Poder Executivo local. Os Estados-membros e o Distrito Federal devem obediência às regras de iniciativa legislativa reservada, fixadas constitucionalmente, sob pena de violação do modelo de harmônica tripartição de poderes, consagrado pelo constituinte originário. (…) [ADI 1.182, rel. min. Eros Grau, j. 24-11-2005, P, DJ de 10-3-2006.] = RE 508.827 AgR, rel. min. Cármen Lúcia, j. 25-9-2012, 2ª T, DJE de 19-10-2012.
 
“(…) É indispensável a iniciativa do chefe do Poder Executivo (mediante projeto de lei ou mesmo, após a EC 32/2001, por meio de decreto) na elaboração de normas que de alguma forma remodelem as atribuições de órgão pertencente à estrutura administrativa de determinada unidade da Federação. (…) [ADI 3.254, rel. min. Ellen Gracie, j. 16-11-2005, P, DJ de 2-12-2005.] = AI 643.926 ED, rel. min. Dias Toffoli, j. 13-3-2012, 1ª T, DJE de 12-4-2012
 
 
A Lei Orgânica do Município de Santa Cruz do Sul, em simetria ao que dispõe a Constituição do Estado do Rio Grande do Sul e a Constituição Federal de 1988, dispõe em seu art. 42, as matérias cuja competência legislativa é privativa do Chefe do Poder Executivo Municipal, a saber:
 
I – criação, extinção ou transformação de cargos, funções ou empregos públicos na administração;
II - fixação ou aumento de remuneração dos servidores;
III - organização administrativa, matéria tributária e orçamentária, serviços públicos e pessoal da administração;
IV – criação, estruturação e atribuição dos órgãos da administração pública municipal.
 
Quaisquer atos de imisção do Poder Legislativo sobre tal matéria contaminará o ato normativo de nulidade, por vício de inconstitucionalidade formal. Calha trazer à tona, nesse contexto, as sempre atuais lições de Hely Lopes Meirelles[3] (1993, p. 438/439):
 
"A atribuição típica e predominante da Câmara é a 'normativa', isto é, a de regular a administração do Município e a conduta dos munícipes, no que afeta aos interesses locais. A Câmara não administra o Município; estabelece, apenas, normas de administração. Não executa obras e serviços públicos; dispõe, unicamente, sobre a sua execução. Não compõe nem dirige o funcionalismo da Prefeitura; edita, tão-somente, preceitos para sua organização e direção. Não arrecada nem aplica as rendas locais; apenas institui ou altera tributos e autoriza sua arrecadação e aplicação. Não governa o Município; mas regula e controla a atuação governamental do Executivo, personalizado no Prefeito. Eis aí a distinção marcante entre missão 'normativa' da Câmara e a função 'executiva' do Prefeito; o Legislativo delibera e atua com caráter regulatório, genérico e abstrato; o Executivo consubstancia os mandamentos da norma legislativa em atos específicos e concretos de administração.
(...) A interferência de um Poder no outro é ilegítima, por atentatória da separação institucional de suas funções (CF, art. 2º).
(...) Daí não ser permitido à Câmara intervir direta e concretamente nas atividades reservadas ao Executivo, que pedem provisões administrativas especiais manifestadas em 'ordens, proibições, concessões, permissões, nomeações, pagamentos, recebimentos, entendimentos verbais ou escritos com os interessados, contratos, realizações materiais da Administração e tudo o mais que se traduzir em atos ou medidas de execução governamental.”
 
Verifica-se que o Poder Legislativo Municipal está, no caso concreto, determinando ao Poder Executivo a prática de ato puramente administrativo, com o que interfere na área de atuação exclusiva do chefe do Poder Executivo e, dessa forma, violando o princípio da harmonia e independência entre os referidos Poderes, previsto no artigo 10 da Constituição do Estado do Rio Grande do Sul
 
Art. 10.  São Poderes do Município, independentes e harmônicos entre si, o Legislativo, exercido pela Câmara Municipal, e o Executivo, exercido pelo Prefeito.
 
Ademais, tal previsão consta expressamente em nossa Carta Magna, senão vejamos:
 
Art. 2º São Poderes da União, independentes e harmônicos entre si, o Legislativo, o Executivo e o Judiciário.
 
Ao dispor sobre a obrigatoriedade de divulgação da lista de ruas, em ordem prioritária, para execução de pavimentação e calçamento no sistema de parceria, está o legislador municipal exercendo atividade tipicamente administrativa a qual deve, por isso, ser operacionalizada somente pelo Executivo. Está o Poder Legislativo, portanto, criando um dever, determinando uma obrigação a outro Poder, no caso o Executivo, sem amparo em dispositivo constitucional, motivo pelo qual, reitera-se, está desvirtuando o princípio constitucional da independência e separação dos poderes, anteriormente mencionado.
Medidas administrativas, contudo, podem ser indicadas pelo Poder Legislativo ao Executivo adjuvandi causa, ou seja, a título de colaboração, por entender que em determinado ato reside interesse público.
No Projeto de Lei em questão, a referida inconstitucionalidade, como já explicitado, repousa no vício de iniciativa, por interferir na estrutura, organização e funcionamento da Administração Pública do Município, tornando inviável que seja sancionado pelo Poder Executivo, pois deixa de observar a legislação vigente, bem como fere princípios importantes da administração pública.
De mais a mais, tal determinação, que culmina em obrigação ao Poder Executivo, envolveria a disponibilização de servidores de ao menos duas Pastas para a execução das atribuições, sendo necessária a reorganização e dedicação na função, considerando que a listagem das ruas a serem pavimentadas e/ou calçadas deveria ser atualizada constantemente, conforme previsão no texto normativo, exigindo uma reorganização administrativa para o seu adequado funcionamento, visto o caráter subjetivo da chamada “ordem prioritária”:
 
Ementa: AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE. LEI 3.081/2017. MUNICÍPIO DE NOVO HAMBURGO. LEI QUE AUTORIZA O RECEBIMENTO DE DÉBITOS FISCAIS ATRAVÉS DE CARTÃO DE DÉBITO OU CRÉDITO. INCONSTITUCIONALIDADE FORMAL POR VÍCIO DE INICIATIVA. COMPETÊNCIA PRIVATIVA DO CHEFE DO PODER EXECUTIVO. VIOLAÇÃO À SEPARAÇÃO DOS PODERES. É inconstitucional a Lei Municipal de iniciativa do Poder Legislativo que autoriza o Executivo a receber pagamento dos contribuintes, impostos, taxas, contribuição de melhoria e dívida ativa de natureza tributária e não tributária, através de cartão de crédito ou cartão de débito, porque interfere na organização administrativa. Descabe ao Poder Legislativo estabelecer as formas como se dará recebimento de pagamentos de dívidas fiscais, exigindo reorganização da administração para que passe a aceitar o recolhimento através de outros meios. Competência privativa do chefe do Poder Executivo para dispor sobre a matéria, a teor do artigo 60, inciso II, d, da Constituição do Estado do Rio Grande do Sul. A Constituição Estadual (da mesma forma que a Constituição Federal), quando estabelece um rol de matérias cuja iniciativa é reservada a uma estrutura de poder, o faz como garantia da independência e harmonia entre os poderes. Quando o legislativo municipal interfere nas competências que são reservadas à iniciativa privativa do Prefeito, não apenas incorre em inconstitucionalidade formal propriamente dita, por vício de iniciativa (inconstitucionalidade subjetiva), senão que incorre também em flagrante violação à independência e harmonia dos Poderes que compõem o ente federativo. AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE JULGADA PROCEDENTE. UNÂNIME. (Ação Direta de Inconstitucionalidade Nº 70076374206, Tribunal Pleno, Tribunal de Justiça do RS, Relator: Marcelo Bandeira Pereira, Julgado em 23/04/2018) (grifamos)
 
Ementa: AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE. LEI Nº 3.027, DE 11 JULHO DE 2017. MUNICÍPIO DE NOVO HAMBURGO. LEI DE INICIATIVA DA CÂMARA. MATÉRIA PRIVATIVA DO PODER EXECUTIVO. A ação direta de inconstitucionalidade visa à retirada do ordenamento jurídico da Lei n° 3.027, 11 de julho de 2017, do Município de Novo Hamburgo que "dispõe sobre a criação das Calçadas Ecológicas e dá outras providências", por ofensa às Constituições Estadual e Federal. O Poder Legislativo do Município de Novo Hamburgo editou norma estranha à sua iniciativa legislativa, uma vez que acrescentou nova regulamentação aos calçamentos no Município. Vício formal. A Câmara ao legislar sobre matéria de cunho administrativo, invadiu a competência privativa do Chefe do Executivo, tendo em vista que a norma objeto da ação direta de inconstitucionalidade teve origem em Projeto de Lei de iniciativa parlamentar. A iniciativa de lei para a organização destes serviços e de seu procedimento cabe ao Chefe do Executivo, conforme dispõe o artigo 60, II, "d" e 82, III e VII, da Constituição Estadual, não havendo espaço para iniciativa legislativa. Vício material pelo conseqüente desconto no IPTU no exercício seguinte da construção da calçada ecológica. AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE JULGADA PROCEDENTE. UNÂNIME. (Ação Direta de Inconstitucionalidade Nº 70074889304, Tribunal Pleno, Tribunal de Justiça do RS, Relator: Alberto Delgado Neto, Julgado em 23/01/2018) (grifamos)
Diante do exposto, com fundamento nos já citados dispositivos legais e com amparo nos artigos 42 e 48 da Lei Orgânica do Município, o Poder Executivo VETA O PROJETO DE LEI Nº 22/L/2018.
Sendo o que se apresenta para o momento, aproveitamos o ensejo para reiterar-lhe votos de estima e consideração.
 
Atenciosamente
 
 
TELMO JOSÉ KIRST
Prefeito Municipal
 

[1]              MEIRELLES, Hely Lopes. Direito Municipal Brasileiro. 8 ed. São Paulo: Malheiros, 1996

[2]          HORTA, Ricardo Machado. Poder Constituinte do Estado-Membro. In: RDP 88/5

 

[3]              MEIRELLES, Hely Lopes. Direito Municipal Brasileiro. 6 ed. São Paulo: Malheiros, 1993.

Obs.: acolhido aos 02/07/2018, com voto favorável dos Vereadores Alceu Crestani, André Francisco Scheibler, Ari Thessing, Edmar Guilherme Hermany, Gerson Luís Trevisan, Licério José Agnes, Solange Finger e Paulo Henrique Lersch, voto contrário dos Vereadores Alex Knak, Bruna Jeanine Molz, Elstor Renato Desbessell, Francisco Carlos Smidt, Guiomar Isabel Rossini Machado, Luizinho Ruas e Mathias Bertram, e abstenção do Vereador Hildo Ney Caspary. 
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Ofício nº. 311/E/2018
 
                                                                                                Santa Cruz do Sul, 29 de maio de 2018.
 
 
Ilmo. Senhor
BRUNO CÉSAR FALLER
Presidente da Mesa Diretora
Câmara de Vereadores de Santa Cruz do Sul
Rua Fernando Abott, 940, Bairro Centro
Santa Cruz do Sul – Rio Grande do Sul
 
 
Senhor Presidente
 
Acusamos o recebimento do PROJETO DE LEI Nº 22/L/2018, que  “Dispõe sobre a obrigatoriedade da divulgação da lista de ruas, em ordem prioritária, para execução de pavimentação e calçamento no sistema de parceria”, aprovado por este Egrégio Poder Legislativo.
Na análise do Projeto de Lei nº 22/L/2018, em que pese a boa intenção do legislador, conclui-se que existe impedimento legal para a sua aprovação, tendo em vista que derivou de iniciativa parlamentar, ao imiscuir-se na organização administrativa e atribuições dos órgãos da administração pública municipal, violando o princípio constitucional da separação dos poderes.
Em sendo assim, o Poder Legislativo, por iniciativa de parlamentar, ao atribuir competências aos órgão da administração pública, criando dessa forma a necessidade de reestruturação de serviços e de pessoal, opõe óbice à organização administrativa dos órgãos da administração pública municipal, uma vez que desconsiderou o disposto no art. 42, incisos III e IV, da Lei Orgânica do Município (em simetria com o art. 61, §1º, II, “b” da Constituição Federal e com os art. 60, II, “d” e 82, VII da Constituição Estadual).
Hely Lopes Meirelles, com propriedade, afirma (1996, p. 430):
 
(…) Leis de iniciativa da Câmara, ou, mais propriamente, de seus vereadores, são todas as que a lei orgânica municipal não reserva, expressa e privativamente, à iniciativa do prefeito. As leis orgânicas municipais devem reproduzir, dentre as matérias previstas nos arts. 61, § 1º, e 165 da CF, as que se inserem no âmbito da competência municipal. São, pois, de iniciativa exclusiva do prefeito, como chefe do Executivo local, os projetos de lei que disponham sobre a criação, estruturação e atribuição das secretarias, órgãos e entes da Administração Pública municipal; criação de cargos, funções ou empregos públicos na Administração direta, autárquica e fundacional do Município; o regime jurídico único e previdenciário dos servidores municipais, fixação e aumento de sua remuneração; o plano plurianual, as diretrizes orçamentárias, o orçamento anual e os créditos suplementares e especiais. Os demais projetos competem concorrentemente ao prefeito e à Câmara, na forma regimental.
 
Com efeito, na estrutura federativa brasileira, Estados e Municípios não dispõem de autonomia ilimitada para se organizarem. Impõe-se a eles, por simetria, observarem os princípios e regras gerais de pré-organização definidas na Constituição Estadual (parâmetro de constitucionalidade imediato para os Municípios) e na Constituição Federal (parâmetro de constitucionalidade imediato para os Estados.
Nesse sentido, sobreleva-se como sendo regra de observância obrigatória pelos Estados e Municípios em suas leis fundamentais (Constituição Federal e Lei Orgânica do Município, respectivamente) àquelas relativas ao processo legislativo, especialmente as que dizem respeito à iniciativa reservada. O E. STF, inclusive, possui jurisprudência consolidada a este respeito, senão vejamos:
 
“(...) A Constituição do Brasil, ao conferir aos Estados-membros a capacidade de auto-organização e de autogoverno --- artigo 25, caput ---, impõe a obrigatória observância de vários princípios, entre os quais o pertinente ao processo legislativo. O legislador estadual não pode usurpar a iniciativa legislativa do Chefe do Executivo, dispondo sobre as matérias reservadas a essa iniciativa privativa. (...)” (STF, ADI 1.594-RN, Tribunal Pleno, Rel. Min. Eros Grau, 04-06-2008, v.u., DJe 22-08-2008)
 
“(…) Por tratar-se de evidente matéria de organização administrativa, a iniciativa do processo legislativo está reservada ao chefe do Poder Executivo local. Os Estados-membros e o Distrito Federal devem obediência às regras de iniciativa legislativa reservada, fixadas constitucionalmente, sob pena de violação do modelo de harmônica tripartição de poderes, consagrado pelo constituinte originário. (…) [ADI 1.182, rel. min. Eros Grau, j. 24-11-2005, P, DJ de 10-3-2006.] = RE 508.827 AgR, rel. min. Cármen Lúcia, j. 25-9-2012, 2ª T, DJE de 19-10-2012.
 
“(…) É indispensável a iniciativa do chefe do Poder Executivo (mediante projeto de lei ou mesmo, após a EC 32/2001, por meio de decreto) na elaboração de normas que de alguma forma remodelem as atribuições de órgão pertencente à estrutura administrativa de determinada unidade da Federação. (…) [ADI 3.254, rel. min. Ellen Gracie, j. 16-11-2005, P, DJ de 2-12-2005.] = AI 643.926 ED, rel. min. Dias Toffoli, j. 13-3-2012, 1ª T, DJE de 12-4-2012
 
 
A Lei Orgânica do Município de Santa Cruz do Sul, em simetria ao que dispõe a Constituição do Estado do Rio Grande do Sul e a Constituição Federal de 1988, dispõe em seu art. 42, as matérias cuja competência legislativa é privativa do Chefe do Poder Executivo Municipal, a saber:
 
I – criação, extinção ou transformação de cargos, funções ou empregos públicos na administração;
II - fixação ou aumento de remuneração dos servidores;
III - organização administrativa, matéria tributária e orçamentária, serviços públicos e pessoal da administração;
IV – criação, estruturação e atribuição dos órgãos da administração pública municipal.
 
Quaisquer atos de imisção do Poder Legislativo sobre tal matéria contaminará o ato normativo de nulidade, por vício de inconstitucionalidade formal. Calha trazer à tona, nesse contexto, as sempre atuais lições de Hely Lopes Meirelles[3] (1993, p. 438/439):
 
"A atribuição típica e predominante da Câmara é a 'normativa', isto é, a de regular a administração do Município e a conduta dos munícipes, no que afeta aos interesses locais. A Câmara não administra o Município; estabelece, apenas, normas de administração. Não executa obras e serviços públicos; dispõe, unicamente, sobre a sua execução. Não compõe nem dirige o funcionalismo da Prefeitura; edita, tão-somente, preceitos para sua organização e direção. Não arrecada nem aplica as rendas locais; apenas institui ou altera tributos e autoriza sua arrecadação e aplicação. Não governa o Município; mas regula e controla a atuação governamental do Executivo, personalizado no Prefeito. Eis aí a distinção marcante entre missão 'normativa' da Câmara e a função 'executiva' do Prefeito; o Legislativo delibera e atua com caráter regulatório, genérico e abstrato; o Executivo consubstancia os mandamentos da norma legislativa em atos específicos e concretos de administração.
(...) A interferência de um Poder no outro é ilegítima, por atentatória da separação institucional de suas funções (CF, art. 2º).
(...) Daí não ser permitido à Câmara intervir direta e concretamente nas atividades reservadas ao Executivo, que pedem provisões administrativas especiais manifestadas em 'ordens, proibições, concessões, permissões, nomeações, pagamentos, recebimentos, entendimentos verbais ou escritos com os interessados, contratos, realizações materiais da Administração e tudo o mais que se traduzir em atos ou medidas de execução governamental.”
 
Verifica-se que o Poder Legislativo Municipal está, no caso concreto, determinando ao Poder Executivo a prática de ato puramente administrativo, com o que interfere na área de atuação exclusiva do chefe do Poder Executivo e, dessa forma, violando o princípio da harmonia e independência entre os referidos Poderes, previsto no artigo 10 da Constituição do Estado do Rio Grande do Sul
 
Art. 10.  São Poderes do Município, independentes e harmônicos entre si, o Legislativo, exercido pela Câmara Municipal, e o Executivo, exercido pelo Prefeito.
 
Ademais, tal previsão consta expressamente em nossa Carta Magna, senão vejamos:
 
Art. 2º São Poderes da União, independentes e harmônicos entre si, o Legislativo, o Executivo e o Judiciário.
 
Ao dispor sobre a obrigatoriedade de divulgação da lista de ruas, em ordem prioritária, para execução de pavimentação e calçamento no sistema de parceria, está o legislador municipal exercendo atividade tipicamente administrativa a qual deve, por isso, ser operacionalizada somente pelo Executivo. Está o Poder Legislativo, portanto, criando um dever, determinando uma obrigação a outro Poder, no caso o Executivo, sem amparo em dispositivo constitucional, motivo pelo qual, reitera-se, está desvirtuando o princípio constitucional da independência e separação dos poderes, anteriormente mencionado.
Medidas administrativas, contudo, podem ser indicadas pelo Poder Legislativo ao Executivo adjuvandi causa, ou seja, a título de colaboração, por entender que em determinado ato reside interesse público.
No Projeto de Lei em questão, a referida inconstitucionalidade, como já explicitado, repousa no vício de iniciativa, por interferir na estrutura, organização e funcionamento da Administração Pública do Município, tornando inviável que seja sancionado pelo Poder Executivo, pois deixa de observar a legislação vigente, bem como fere princípios importantes da administração pública.
De mais a mais, tal determinação, que culmina em obrigação ao Poder Executivo, envolveria a disponibilização de servidores de ao menos duas Pastas para a execução das atribuições, sendo necessária a reorganização e dedicação na função, considerando que a listagem das ruas a serem pavimentadas e/ou calçadas deveria ser atualizada constantemente, conforme previsão no texto normativo, exigindo uma reorganização administrativa para o seu adequado funcionamento, visto o caráter subjetivo da chamada “ordem prioritária”:
 
Ementa: AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE. LEI 3.081/2017. MUNICÍPIO DE NOVO HAMBURGO. LEI QUE AUTORIZA O RECEBIMENTO DE DÉBITOS FISCAIS ATRAVÉS DE CARTÃO DE DÉBITO OU CRÉDITO. INCONSTITUCIONALIDADE FORMAL POR VÍCIO DE INICIATIVA. COMPETÊNCIA PRIVATIVA DO CHEFE DO PODER EXECUTIVO. VIOLAÇÃO À SEPARAÇÃO DOS PODERES. É inconstitucional a Lei Municipal de iniciativa do Poder Legislativo que autoriza o Executivo a receber pagamento dos contribuintes, impostos, taxas, contribuição de melhoria e dívida ativa de natureza tributária e não tributária, através de cartão de crédito ou cartão de débito, porque interfere na organização administrativa. Descabe ao Poder Legislativo estabelecer as formas como se dará recebimento de pagamentos de dívidas fiscais, exigindo reorganização da administração para que passe a aceitar o recolhimento através de outros meios. Competência privativa do chefe do Poder Executivo para dispor sobre a matéria, a teor do artigo 60, inciso II, d, da Constituição do Estado do Rio Grande do Sul. A Constituição Estadual (da mesma forma que a Constituição Federal), quando estabelece um rol de matérias cuja iniciativa é reservada a uma estrutura de poder, o faz como garantia da independência e harmonia entre os poderes. Quando o legislativo municipal interfere nas competências que são reservadas à iniciativa privativa do Prefeito, não apenas incorre em inconstitucionalidade formal propriamente dita, por vício de iniciativa (inconstitucionalidade subjetiva), senão que incorre também em flagrante violação à independência e harmonia dos Poderes que compõem o ente federativo. AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE JULGADA PROCEDENTE. UNÂNIME. (Ação Direta de Inconstitucionalidade Nº 70076374206, Tribunal Pleno, Tribunal de Justiça do RS, Relator: Marcelo Bandeira Pereira, Julgado em 23/04/2018) (grifamos)
 
Ementa: AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE. LEI Nº 3.027, DE 11 JULHO DE 2017. MUNICÍPIO DE NOVO HAMBURGO. LEI DE INICIATIVA DA CÂMARA. MATÉRIA PRIVATIVA DO PODER EXECUTIVO. A ação direta de inconstitucionalidade visa à retirada do ordenamento jurídico da Lei n° 3.027, 11 de julho de 2017, do Município de Novo Hamburgo que "dispõe sobre a criação das Calçadas Ecológicas e dá outras providências", por ofensa às Constituições Estadual e Federal. O Poder Legislativo do Município de Novo Hamburgo editou norma estranha à sua iniciativa legislativa, uma vez que acrescentou nova regulamentação aos calçamentos no Município. Vício formal. A Câmara ao legislar sobre matéria de cunho administrativo, invadiu a competência privativa do Chefe do Executivo, tendo em vista que a norma objeto da ação direta de inconstitucionalidade teve origem em Projeto de Lei de iniciativa parlamentar. A iniciativa de lei para a organização destes serviços e de seu procedimento cabe ao Chefe do Executivo, conforme dispõe o artigo 60, II, "d" e 82, III e VII, da Constituição Estadual, não havendo espaço para iniciativa legislativa. Vício material pelo conseqüente desconto no IPTU no exercício seguinte da construção da calçada ecológica. AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE JULGADA PROCEDENTE. UNÂNIME. (Ação Direta de Inconstitucionalidade Nº 70074889304, Tribunal Pleno, Tribunal de Justiça do RS, Relator: Alberto Delgado Neto, Julgado em 23/01/2018) (grifamos)
Diante do exposto, com fundamento nos já citados dispositivos legais e com amparo nos artigos 42 e 48 da Lei Orgânica do Município, o Poder Executivo VETA O PROJETO DE LEI Nº 22/L/2018.
Sendo o que se apresenta para o momento, aproveitamos o ensejo para reiterar-lhe votos de estima e consideração.
 
Atenciosamente
 
 
TELMO JOSÉ KIRST
Prefeito Municipal
 

[1]              MEIRELLES, Hely Lopes. Direito Municipal Brasileiro. 8 ed. São Paulo: Malheiros, 1996

[2]          HORTA, Ricardo Machado. Poder Constituinte do Estado-Membro. In: RDP 88/5

 

[3]              MEIRELLES, Hely Lopes. Direito Municipal Brasileiro. 6 ed. São Paulo: Malheiros, 1993.